07 março 2007

:Estar sozinho


Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio deste milénio. As relações afectivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.
O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual existe individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.
A ideia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste início de século.
O amor romântico parte da premissa de que somos uma fracção e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.
Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. Ela abandona suas características, para se amalgamar ao projecto masculino.
A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei. Se for manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.
A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente. Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficarem sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmo.
Elas estão começando a perceber que se sentem fracções, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fracção. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem. O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou.
Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa a aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade.
Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva. A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso.
Ao contrário, dá dignidade à pessoa. As boas relações afectivas·são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único.
Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gémea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.
Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.
O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado.

7 comentários:

LB disse...

Obrigado pelo poema que deixaste no meu blog. Cinco estrelas mesmo.

Quanto a este texto, penso que falas, em suma, de relações abertas.
E a maioria das pessoas tende a intrepertar mal a expressão "relação aberta", conotando-a sempre com a poligamia e comportamentos afins.
Pode muito bem ser uma relação vivida a dois e apenas a dois.O que faz os seus limites alargarem-se é a mentalidade de partilha das pessoas que a constroem. Não é uma troca em que apenas um dá e o outro recebe. É um "toma lá, dá cá" constante e natural.

E isso advém, como dizes, do facto de se saber estar sozinho. Porque quando se encontra, finalmente, a companhia adequada, aprecia-se bem mais e de uma forma natural.

Cumprimentos

Anónimo disse...

É bom estar sozinho, ouvir a musica que queremos, ver o filme que nos apetece, etc.
Se não nos sentimos bem connosco, como vamos suportar o(s) outro(s); é ponto de partida para a discussão!!
Quanto ao Sozinho=Solteiro, Hoje em Dia a Palavra SOLTEIRÃO já não é uma vergonha, mas sim uma honra (principalmente para as mulheres), por conseguir enfrentar a Vida sozinho(a).

Ci Dream disse...

bem parece que descobri mais um anjo...he he he brigada pela visita volta sempre...:)

beijos incomuns

Phantom of the Opera disse...

Só tenho de concordar com o que escreveste.

As novas tecnologias leva as pessoas a afastarem-se e a criar o seu próprio mundo, no entanto, abriu novas possibilidades... para que nunca exista uma solidão persistente.

Abraço

Rafeiro Perfumado disse...

Li com atenção o teu texto. Apesar de apresentares argumentos válidos, não posso concordar na sua totalidade. Claro que isto sou eu, um romântico incurável que ainda acredita num amor eterno e numa vida a dois.

Um grande RAUF para ti!

Anónimo disse...

Ena pah…Isso é que é optimismo hein!
:)
Era bom mas penso que na nossa sociedade as relações humanas são ainda bastante codificadas e estabelecidas. Os nossos actos, os nossos desejos e as nossas "liberdades" são inscritos em nós desde que nascemos. E sim, se não fazemos nada para alterar este estado imposto, uma boa parte dos nossos desejos e das nossas escolhas escapa-nos. E passamos ao lado da existência que desejamos, e que queremos... para realmente viver apenas uma vida calculada e predefinida em relação a certos elementos, também eles marcantes, como o nosso nível social, académico, a nossa educação, ou ainda a nossa cultura, etc.... e não há ainda tecnologia nenhuma que altere isso.
O amor e as relações sentimentais não escapam à regra. E uma das únicas escolhas que temos neste domínio é saber com que vamos acabar juntos. E se possível para toda a vida. Parece impossível ainda na nossa sociedade conceber uma relação sentimental e duradoura, ou não, fora desta estrutura rígida. O casal é aceite e socialmente reconhecido como o modelo de vida a dois, hétero ou homo. O resto não é sério, são apenas amores sem dia seguinte, a simples história de foda, a aventura de juventude...

Ups…parece que me alonguei.

Martini Man disse...

Muito BOM!
Muito, muito bom!
Uma visão muito lucida!